P:P-P

Palavra-Porrada é um ezine mensal com textos que só têm uma coisa
em comum: teor zero de açúcar.

Os textos-porradas não têm que ser agressivos. Não têm que ser
violentos. Não têm que ser grosseiros (aqui tem até poema de amor,
mas sem rima de "coração" com "paixão").

A participação é livre e recebemos material até o último domingo
do mês anterior a cada edição. As instruções para envio estão na
guia "Dê Porrada!". Claro que não dá pra publicar tudo o que
chega. Mas a gente lê tudo o que recebe e escolhe cerca de 30
de cada vez.


Este XIV Round traz André de Castro, Benê Dito Deíta, Betty Vidigal, Carlos Eduardo Ferreira de Oliveira, Cesar Veneziani, Dani.'. Maiolo, Diogo Mizael, Dom Ramon, Flá Perez, Giovani Iemini, Isadora Krieger, Izacyl Guimarães Ferreira, Jorge Mendes, José Antonio Cavalcanti, Jurema Aprile, Leo Lobos, Ricardo Ruiz, Romério Rômulo Valadares, Solange Mazzeto e Vlado Lima, além dos responsáveis pela bagunça, Lúcia Gönczy e Allan Vidigal.


Fomos assunto do programa Prosa & Verso da Radio Senado. Dá pra
baixar aqui.

25 de mar. de 2010

I Round

À PQP (Allan Vidigal)
Não sei se tenho mais raiva ou pena de quem pensa que basta apenas dividir um texto em linhas pra que passe a ser poema. Ou se tenho mais raiva ou dó de quem escreve texto com "Ó!", de metido a poetinha que faz rima pobre e só.

Poeta? Poeta o caralho! É um estuprador da língua o paspalho que faz rima de "ão" com "ão", que rima no mesmo tempo verbos da mesma terminação. E esses engajados, então? Poetas? Cara, nem fudendo! Panfletariozinhos pobres de espírito, esquecem que é ridendo que castigat mores.

Isso sem falar nos babacas que se julgam novos Petrarcas só porque escrevem quadradinho sobre temas de que já se disse tudo - e que se foda a originalidade. Pra mim, mais poeta
é a Tati Bernardi quando escreve sobre ET Pirocudo. Ué, se ofenderam? Já vão tarde.


ALCOVA (Ruy Villani)
Quero esmiuçar esse desejo iminente
Que acomete a gente e vem atônito e forte
Quero descobrir em nova bússola o norte
Por fim compreender o que acontece de repente

Que terremotos fazem e recriam geografia
Vagas de tsunamis se divertem na orgia
De refazer os mapas, de reconstruir a terra
E nem a maior guerra é capaz de tanto estrago.

Quero entender esses fenômenos instáveis
E deles ter notícia de razões ou pormenores
As coisas são melhores com entendimento parco
E nós, no mesmo barco, sem visões e sem ardores

Ficamos desejosos de entender qualquer que seja
A coisa que nos peja ou provoca a maresia
Que enjoa e incita, seja lá o que nos mova,
A alcova sempre é uma resposta
Nem que seja por pura hipocrisia.


ANSEIO (Helena Jorge)
Madrugada quente
em que a chuva grossa lava o asfalto
aroma deliciosamente conhecido
reconhecido

Conto
distraída
os palitos de fósforo queimados
que ainda persistem em habitar
o espaço limitado
da caixa

Uma ultima dose me espera
o que será de mim quando chegar ao fim?

Fim
palavra que reluto bravamente
em pronunciar

Fim
destino inglório
que teima em me perseguir

Fim
recomeço
fim
recomeço

E assim
contando fósforos
economizando goles
a noite me envolve
quente
molhada
como meu corpo que aguarda
anseia
a tua chegada.


AOS ACENTOS DE DÉBORA (Antonio de todos os Cantos)
Débora - metida
a ser acentuada -
espera o Boto
sair sem toalha
e lilás: da cor
que inventou...

Débora é acentuada!
Eu nem sei se sou:
Antonio? Ou Antônio?
Na dúvida, Caminho devagarinho,
Mesmo quando vôo...

Mas o acentuado sorriso
da comparsa, cativa
a acentuar tudo que me resta:
"Serésta; "sônho" e "esperânça"
Nessa, até paroxítona passa!


CANARI NON MANGE DE LA VIANDE (Flá Perez)
La vengeance
n'est pas te decoupeaux dans deux.
Not anymore...

Ponha de lado citações
mon dés-Ami,
deixa de lado Baudelaire!

Lugar-mais-que-comum,
tu il l'a perdu pour toujours,
cause love is in the air!

Como o falso em-nome-de-jesus engana-se
pensando que acreditamos
que ele realmente crê!

E diz:"um dia o cego voltará a ver"!
Mas,
na pretensa escuridão
ele não precisa olhar você.

Desenlaça!

Chora!Publicamente,
sobre-humanecente,
chora!

Sabemos sua desesperança,
colérica, carnívora, meia pataca,
em nome de Deus, para!

Essa ladainha,
de fingida autonomia,
já perdeu
totalmente a graça.


CÃO (Ruy Villani)
Mede-me um cão.
Olha-me de baixo acima
Quase me disseca
Me resseca
O cão que me olha
E rosna.

Rosna-me um cão.
Me desafia, me desfia
No medo transcendental
Eriçam-me os pelos
Eriçam-se os dele
São os apelos
Da vida animal.

Olha-me um cão
E me ve como o é
Temeroso
Não é um cão raivoso
Só o instinto de defesa
De um qualquer território.

O dele e o meu medo
Fatos notórios
Nos igualam na baixeza
De arreganhar pelos e dentes.

Fita-me um cão
E o faz sem dolo.

Apenas um vira latas tolo
Deixa de rosnar a tempo.

E vai-se o cão
Fica o medo e o pelo eriçado,
Como de qualquer coitado.
Passa o enfrentamento.
Outro virá, outro cão quase igual
Feroz e normal
Com os seus e os meus sustos,
Os dele e os meus embustes
Emocionais.

Vai-se esse cão.
Virão mais.


CARLOTA E TARSILA NO PARAÍSO DAS BESTAS (Ükma)
Carlota debaixo da cama
à procura de chifres em cabeça de cavalo.

Bordadas com missangas e lantejoulas
suas unhas apodrecidas
cravaram a cabeça do animal.

Pobre cavalo da vez.
Vitimado pela cegueira da infeliz infanta.

Em meio à façanha
pisoteou no penico de louça
encharcou os sapatos com mijo
engasgou com o pó
e perdeu um dente.

Eis que um golpe de chifre pelas costas
Infetou veneno na escuridão.

Um touro rasgou-lhe as anáguas rotas
E ensanguentou as caras rendas francesas.

Carlota abatida
Ordena à sua imaginação
Que expulse do paraíso
- Definitivamente e de imediato -
Tarsila e o seu cavalinho chifrudo.


CASO PERDIDO (Cairo Trindade)
tem um pentelho no meio da minha cama.
no meio da minha cama tem um pentelho.
tem uma mancha de porra no meio do lençol,
teu cheiro em meu travesseiro
e um resto do gosto de teu corpo em minha boca.

mas o q bate, me enlouquece e arrasa
é este pentelho no lençol vermelho,
encravado, no meio da minha cama.
era teu. não é mais. nunca mais será teu.
a partir de agora, faz parte de mi e da minha história.

tem um pentelho na minha cama.
na minha cama tem um pentelho
q vai ficar pra sempre, ainda q eu queime os lençóis,
q troque de cama, se passem os anos
e eu mude de estado, dimensão ou plano.


5 DIAS (Paulo Gomes)
Durante um ano inteiro
deve ter uns cinco dias
em que não quero falar com ninguém

Nesses cinco dias,
por Zeus, não me irrite,
não me faça perguntas,
se puder, nem fale comigo

Nesses dias
eu brigo sem motivo,
não me sinto invencível,
mas eu gosto do sabor do sangue

Eu resmungo, xingo,
eu destruo tudo
o que tinha construído

Nesses dias não faço amor,
eu me acasalo,
viro, durmo,
meio a meio num motel barato

Nesses dias eu não penso,
falo
Não calculo,
chuto tudo

e todos, à custa de qualquer troco...

Nesses dias eu esvazio
a porra do meu saco
psicológico...


CONTRATO (Lúcia Gönczy)
quero a pérfida palavra
o sumo, a acidez da verdade
e no mais,
não quero nada
a não ser a essência
do último trago
e se isso significa veneno,
não me importo;
prefiro a morte rápida
a ser enganada de forma
homeopática
pensas: fazendo assim talvez
ela sofra menos...
saiba: este teu jeito absurdo
de entender o mundo
desacata meus sentimentos
e não me poupa a fragilidade;
compulsiva-me sim, a odiar-te
bem mais do que te amei.


DESATINO (Rosa Cardoso)
Distraída
na pedra fria

caída
na chuva

atos

todos falhos

o lobo sorri
escondendo os dentes
eu sorrio
desvairada

cortada ao meio
lacerada

o frio escorregando pelas entranhas

descia pela chão
em arabescos


ERRANTE (Flá Perez)
Provou Sonetos, tomou Porrada,
deitou-se no Lixo
e no asfalto quente da estrada.

Tanto se promiscuiu em busca
da poesia perfeita,
que acabou ficando
Sem Rimas.


FACA (Antonio Gomes)
F
A
C
A
é
ci
úme
cume
pontad
iceberg
alltodohall
semsaidade
mergên
ciafaca
ddois
cumes
ciú
me
é
A
C
A
F


FÚRIA TRANSILVÂNICA (Lúcia Gönczy)
meus olhos atravessam teu plasma sem essência
penso: o que será de ti fora
estas máscaras,
sem toda esta montagem
complacente...
sobrará algo que preste ou eternize?
quem sabe restos nus dum corpo
montado em seu próprio cavalo manco
- pobre idólatra!...
tão pequena...tão PORTA!
ó grande tola,
talvez seja-lhe útil aquele punhal que adoras...
a fim de que faças um favor ao Universo
livrando-te de ti
enterrando-o no próprio peito
Que cena magnífica!...engulo seco
tamanha euforia sádica
vê-la reduzida ao que és: - nada.
tal escárnio que de ti brota
ó linda, ó tonta,
ó marmota das marmotas
quase gozo quando, em cena,
vislumbro o mar de sangue escorrendo
tal nababescas lendas
vampirescas
chego ao cúmulo do absurdo-aconselho:
patricinha endiabrada
sai desta vida de burguesa
vai se foder noutro lugar

que
o
inferno
é
aqui
e
não
te
quer
nem
pra
recibo

.
.
.


INVERSÃO DOS PAPÉIS (Jairo Alt)
Hoje te quero nua, poesia!
De peito e pernas abertas,
Passiva, boquinha fechada,
E uma rosa entre os dentes.

Quero assim, apaixonada.
Com o sorriso no rosto,
Como o desejo do gozo,
Coberta de flores e ramas.

Não me diga de amores,
De mágoas ou dramas.
Venha branda, branca,
Sem métrica e escansões.

Quero sem nenhuma rima!
E que se dane a estética,
A tétrica, a obra prima,
E outras entonações

Te quero de feitio simples.
De olhar relampejado,
Covinha na bochecha
E um sinal na buceta.

Não me diga de ontem,
De mim ou de outrem.
Faz cara de misteriosa,
De astuta, de jocosa!

Te quero no céu da língua,
Na ponta dos meus dedos,
No meio dos meus erros,
Fazendo parte da bagunça.

Te quero num só close
Dando a cara à tapa,
Lambendo da raspa
Mas sem perder a pose.

Te quero sem rótulos,
Despudorada, sem ética,
Sem bancar a hermética
Ou dar de moça dengosa.

Te quero assim, poesia,
Nua sobre a minha cama,
Pr'eu te chamar de vadia
E fazer uma prosa gostosa.


MANJAR (Ana Cristina Martins)
Era para ser o paraíso...
Soou assim, tantas vezes
Canção ao meu ouvido

Foi, porém, tal comer sem aviso
Manjar mais rico dos deuses
Misturado com vidro moído


MORREMENTE... (Ana Cristina Martins)
Não é sequer um sopro
É somente um esporro
Um grito no ar rarefeito
Mecanicamente, bem feito

Sabe e executa milimétrica
Mente cada movimento
Necessário ao prazer
Mais pra pedra e cimento

Mas a alma assim calada
Não verte sangue, nem nada
Parece assim, estuprada
E morre a mente, aguada


NOTÍCIAS POPULARES (Allan Vidigal)
O mau poeta acossa a musa.
Não admite recusa,
nem se conforma com um "não".
O mau poeta não desiste:
protocolo, formulário em três vias,
requerimento, recurso - em vão.
Ataca, então, rasga-lhe a blusa:
abuso em busca de poesia,
estupro à guisa de inspiração.
Crava os dentes no peito
ainda quente, embora inerte,
e suga até que repleto
do sangue que o seio verte.
Foge dali safisteito,
pensando com seus botões,
"Agora me sai um poema que preste".


O DIA EM QUE O CEIFADOR PAROU PARA PROSEAR (Ükma)
Fumando debruçada sobre o parapeito da janela, eu o vi. Debaixo do andrajo queimado, acenou-me com um convite. Respondi jogando os cabelos, igual criança encantada perdendo sem pressa a infância no centro de uma ciranda.

O Ceifador agora era apenas um ouvinte de fantasias ao pé do ouvido da lua. Talvez imaginasse como seria se aquela fumaça chegasse e aliviasse a nostalgia barata do dia

Ele usava um anel valioso em uma das mãos. Se eram frias? A chuva era fria naquele instante e assim mesmo, não cabia vontade de proteção.

Então foi a jóia quem me forçou a perguntar: Como acontecia?

Respondeu-me:

Depois do cessar da chuva, os trapos encardidos de vida são lavados e estendidos ao sol para torrar. Todos dormem sob o fogo, sem a chance de sonhar.


O POTENCIALMENTE E O REALMENTE (Hamilton Brito)
Enquanto eu caminhava
parece bobagem dizer:
um passo após o outro,
meus pensamentos vieram
assim como os passos.
Mas, límpidos e cristalinos.
Puros como a água do riacho,
ágeis como os passarinhos, nêle.
Uma beleza aqui, outra ali
e a mão de Deus em tudo.
Do boom, saiu o belo, pensei.
Chama-se a isso
estado de graça.
Ai, lembrei-me de dois advérbios:
O potencialmente e o realmente.
Esperem, eu explico.
Tínhamos, POTENCIALMENTE
tudo a nosso favor.
Não deveria ser assim:
com tanta luta.
Mas vivemos nos destruindo
e sabem o por quê?
Na verdade e REALMENTE
o homem é um filho da puta.


O NÃO SABER BEBER A VIDA (Helena Jorge)
Ela tem sede
mas a água que lhe servem é seca
desce árida pela garganta
areia grossa
arame farpado
mais queima que refresca

Ela tem sede
mas é uma sede antiga
de águas já conhecidas

Ela tem sede
e sabe qual a água que necessita
narciso que foge do próprio reflexo

Ela tem sede
e se contenta com a água escura que lhe servem
sua sede?
é de si mesma
sua sede é de beber a própria vida
sim
ela tem sede
de vida.


OS AVIÕES SOBEM E DESCEM (Ogro da Fiona)
Minha última experiência aeronaval
Foi uma indecência colossal...
Caguei-me
A dez mil pés de altura.
Caguei-me todo
Desde a posterior da cueca
Até os pés
Propriamente ditos.


Lembro bem de meus urros aflitos
Quando percebi que não poderia fumar,
Quando -súbito- me vi em pleno ar
E o ar faltou-me em
Contradição...

"... Mais um cagão
Nos anais da
Nossa nobre aviação..."


Anais é o caralho!
Pode assim um esculacho?
Saibam os senhores que sou muito macho
-acho-
E tudo não passou de pequeno mal estar.


" Mais um cagão
cagando goma ao pousar..."


Ok...Ok...
Caguei-me!
E daí?
Por acaso, assinei, concordei, assenti.
Que o medo,
Mesmo esse medo tolo,
Pudesse se apossar de minhas tripas?
Desculpem o mau tom
E limpem as poltronas...
Já que daqui a pouco
Nosso aviãozinho vai voar bem rumo pro céu!


Levando consigo não um coronel...
Apenas mais um
De tantos outros
Que vem , vão e cagam-se
Sem emitir
Cheiro
Nenhum.


POEMA SEM NOME Nº 01 (Flávio UmagumA)
O verbo escarrado pelos ovários do céu plúmbeo
E o sêmen rasgado de Deus
Encharcando ventres engolidores de estrelas
Agitam meu pseudo-entendimento sobre qualquer coisa que seja
.
Acabei de juntar três frases de efeito
e é interessante como elas podem dizer qualquer coisa
mesmo que o autor seja outro caminho breve
fingindo segredos
enquanto tenta algo que não carregue consigo
o fardo do enorme rabo-de-escritor
cheio de gemidos delirantes, decorados por jóias parasitas
e pedidos de aplausos
a satisfazer a roda ébria instalada sob nossos pés
a mando da caprichosa deusa Vaidade.


QUERO POIS (Paulo Gomes)
Quero pois um amor ardente,
dos que queimem como o inferno
Que cause dor pior que de dente,
estou pouco aí que seja eterno

Quero pois um amor one shot,
que bata e suba tão forte quanto tequila
Ou doses puras de Scotch,
que se foda Homero e sua Ilíada

Quero pois um amor versão dois mil e dez,
pois o amor dois mil e nove
Não passou de putas em bordéis,
não quero um amor que comove

Quero pois um amor carnal,
sem sonhos, esperanças ou promessas
Pois no final, não passo de um animal,
cujo gatilho de êxtase é você, venha, tenho pressa


SONETO MUITO BEM METRIFICADO (Livia Abrunhosa)
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9325/ 333/ 210/ 03 / 987/ 3456/ 231/ 87 / 65/ 987
3456/ 231/ 87 / 65/ 987/ 9325/ 333/ 210/ 0/ 333/ 0
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098 / 821/ 0976/ 675 / 98/ 87 098 / 821/ 213/ 0/ 9845/
098 / 821/ 0976/ 675 / 98/ 87 098 / 821/ 213/ 0/ 9845/
9325/ 333/ 210/ 03 / 987/ 3456/ 231/ 87 / 65/ 987

675 / 98/ 87 098 / 821/ 0976/ 213/ 0/ 9845/ 87 /321
9325/ 333/ 210/ 03 / 987/ 3456/ 231/ 87 / 65/ 987
3456/ 231/ 87 / 65/ 987/ 9325/ 333/ = &@%* / *% #@ !


SOTURNO ESQUÁLIDO (Nestor Lampros)
Permanecer, nano. O que é quebra, sigo
ao contrários dos dias lindos.

Fulguro
o cenário.

(Entre os decadentes, velhos de oitenta, tento
navegar no impreciso lastro
da cadência
nas paredes)

E, na cortina, vultam Órus e Anúbis.

Na feira de miudezas
do salão
cheio
de vazios sobre cadeiras neofumês.

E na alvissareira presença,
quando são chegados os
planos dos planetas, roubo
a cena.

Finjo-me com ânsia,
vomito uma gaivota
prenhe de ar.


VELHAS PALAVRAS (Flá Perez)
Não tem mais graça
esse infinito
pois logo ali acaba

e arranje outro termo
pro eterno
quando ele se gasta.

Não acredite em denso
que é muito pouco,
nem em bastante
se já não basta.

Se por hora
a sombra é muito clara
e deus não causa assombro
prefira o fogo e o inferno.

Insistir,
não há mais como,
em sexo, nexo, plexo.
Em cada esquina tem um morto
(morre ao ficar desconexo).

Ósculo bem sabe ser ridículo,
mas o beijo, coitado!
cansou de rimar desejo.

Tanto usaram amor
com dor
que ele fugiu assustado,
precisam dizer algo maior!

Tigresa com s
não soa
bastante selvagem,
bruxas são muito boas
e as fadas, cansei delas,
mas, por segurança,
embrulha uma pra viagem.

Que o dicionário enfie
a viola no saco,
a gramática exploda
como supernova
o lugar comum que se foda!

Eia entrelinhas! Evoé metáfora!
Longa vida aos palavrões
palimpsestos,
e a coisa insinuada!


VENENO (Helena Jorge)
A casa está imersa
no bojo de uma noite
sufocante e enluarada

Um silêncio morno
caminha pelas paredes
povoadas de aromas
e sons tardios

Tua presença
ainda pica minha pele
ave de rapina
serpente enfeitiçada
traiçoeiro escorpião

Tateio o espaço vazio
deito ávida de estrelas
e é teu o veneno que
sinto escorrer do
meu corpo.


VERBO SUICIDA (Rosa Cardoso)
resisto ao verbo, faço-me de forte.
e as palavras caem,
tilintam pelo caos
canção feita de ecos,
dissonante, alma errante
árida,
viciada e exangue,
por onde minhas águas saem.

não discuto, pois se é de luto,
é tarde
demais para que eu chore.

elas despencam
desarvoradas e inertes,
e mesmo a flor que nasce
morre...
desabada pelo chão.

Ouve
retinem sinos enferrujados!
pelo céu destroçado
de cada uma de minhas preces.

tuas palavras esfiapadas
flutuam em cacos de sorrisos,
Somes! Desapareces...
e me ficam só
sussurros em fios partidos.

e louca, tal Joana de Espanha,
danço distraída pela algaravia
e as palavras caem
espargindo os cacos
vítreos pedaços
de cada lágrima
em que refulge teu olhar
e que não ousei verter.

é tão tarde, não vê ...?

com que rimas direi
minhas palavras?
se meu verbo está mudo
pela tua boca colada à minha...?
pelo vírus que me sangra ,
pelos teus infernais remédios...
pelo que só se sente
diante do tédio
que sente cada escritor.
a dor de não fingir o que sente,
esse processo indecente
de rasgar laudas e laudas,
lançando-as aos céus.
são apenas, e tão somente
fantasmas...
kamikazes
de papel...


VESPEIROS (Nestor Lampros)
Internacionado, respiro o hálito
das siamesas que pretejaram
romãns acesas.

Lumes de ouros afogados, que nasceram codinomeados
infolclóricos
enxames de vespas.


VISITA (Ruy Villani)
Hoje a porta está aberta
Mas não vai chegar ninguém
A mesa está posta e coberta
Para proteger os pratos
E as iguarias, os tratos
E as ironias,

Mas não vai chegar ninguém.

Hoje, um apenas hoje pequenino
Vai calar o menino
Que esperava, não um presente,
Mas qualquer alguém
Esse hoje, discreto e bem comportado
Deixa um seco recado:

Hoje, não vai chegar ninguém.

Não importa a porta aberta
A fresta delatora
A nesga de luz sedutora
Convidando os passantes.

Hoje, assim como antes,
Vai ser mais um dia vazio
Um comichão, não de frio,
Mas de solidão distante
Daquilo que está mais além.

Hoje, não é novidade
Acima e além de qualquer vontade
Hoje é um dia especial.
Feito de espera e amém.

Mas não vai chegar ninguém.