P:P-P

Palavra-Porrada é um ezine mensal com textos que só têm uma coisa
em comum: teor zero de açúcar.

Os textos-porradas não têm que ser agressivos. Não têm que ser
violentos. Não têm que ser grosseiros (aqui tem até poema de amor,
mas sem rima de "coração" com "paixão").

A participação é livre e recebemos material até o último domingo
do mês anterior a cada edição. As instruções para envio estão na
guia "Dê Porrada!". Claro que não dá pra publicar tudo o que
chega. Mas a gente lê tudo o que recebe e escolhe cerca de 30
de cada vez.


Este XIV Round traz André de Castro, Benê Dito Deíta, Betty Vidigal, Carlos Eduardo Ferreira de Oliveira, Cesar Veneziani, Dani.'. Maiolo, Diogo Mizael, Dom Ramon, Flá Perez, Giovani Iemini, Isadora Krieger, Izacyl Guimarães Ferreira, Jorge Mendes, José Antonio Cavalcanti, Jurema Aprile, Leo Lobos, Ricardo Ruiz, Romério Rômulo Valadares, Solange Mazzeto e Vlado Lima, além dos responsáveis pela bagunça, Lúcia Gönczy e Allan Vidigal.


Fomos assunto do programa Prosa & Verso da Radio Senado. Dá pra
baixar aqui.

1 de mai. de 2010

P:P-P, II Round

ALTER-BIOGRAFIA X AUTO-EGO (Felipe Rey)

Sou
Seco
Pró-seco arredio
Rascante
Rachante vadio
Sou quente/frio
De vez em quando
Quando em quanto
Solto risadas
Gargalhadas no cio
Também derramo
Um ramo
De lágrimas por dentro
Contudo não me dou de graça
A qualquer
Contentamento.


ANATOMIA (Allan Vidigal)

Há os que escrevem coisas belas,
Construtivas
E morais.
Há quem escreva o que há no peito
E nas almas
imortais.
Coração, pelo que sei,
É uma bomba,
Nada mais.
Quanto à alma, convenhamos,

Se a tenho,
Desconheço.
Me perdoem os sensíveis,
E os bonzinhos
E os carolas,
Mas escrevo com a cabeça
E, às vezes,
Com as bolas.


BREVE DANÇAREI SOBRE TEU TÚMULO (Iriene Borges)

Dançarei sobre teu túmulo
Paganismo inerte
Música que aprendi de ouvido
no pulsar envenenado
que me perverte
mas sustenta o fôlego

Desfarei no giro dos quadris
A mandinga e a modorra
que lançaste-me sobre a libido
Terei teu jazigo revolvido
e até o verme cuidarei que morra
sob coreografias febris

Ocorre que as hordas infernais
são palavras esmurrando minha porta
e as logro no encanto das cantigas
E entre ritos novos e práticas antigas
vislumbro-te carne exposta
nas manchetes dos jornais

Breve dançarei sobre teu túmulo


BRONCA (Allan Vidigal)

Alice, Alice,
Eu bem que te disse.
"Não prova do bolo, não segue o coelho,
Nem tenta passar pr'outro lado do espelho".
Te perdeste de vez no caminho que trilhas
De um lado pro outro em país de armadilhas.
Alice, Alice,
Eu bem que te disse.
Por que não escutas quem bem te aconselha?

Alice, Alice,
Por que não me ouviste?
É falsa a lagarta e o gato, matreiro.
E mentem a lebre e esse tal chapeleiro
(Mas podes contar com a enxurrada de choro
E há um risco real de perder a cabeça).
Alice, Alice,
Por que não me ouviste?
O mundo que sonhas só em sonhos existe


CARLA (NA BALADA) (Nilson Moreno)

A bala da balada abestalhava
cabala ataca a tara trabalhada
A cara à tapa topa toda e cada
Do karma que acatava dada a lava

da tara que degrada enquanto trava
atrás da saia, caio na emboscada:
congresso de babacas na balada
e Carla acalorada, quase escrava

da tal batida tosca, bate-estaca
da bala que abalava a carne fraca
me agarra e se arregala, dando pala

danava a falar feito uma matraca
(daria trampo paca pra calá-la).
Não ligo pra palavra, Carla empaca.


CREMAÇÃO (Lúcia Gönczy)

antigamente, quando lepra não tinha cura
incineravam-se pessoas vivas
hoje, sinto-me assim: no fim; sem
alternativas
olhei pra mim e só vi cinzas


CRIME PERFEITO (Iriene Borges)

O amor não te atinge
Empedernida esfinge
De enigmas insolúveis

Com palavras lacerantes
Esquartejas tuas amantes
No silêncio da madrugada


DECADENCE (Flá Perez)

Nem é preciso ser sherlock pra notar,
mesmo com os badulaques usuais,
e sem os gorros, cachecóis
dos poetas marginais,

que não sou mais chic como era antes.

Ontem foi o fim:
comi baconzitos com espumante!


DESPREZADA (Flá Perez)

Escrevi seu nome
num papel,
para queimar
na encruzilhada

(levei até galinha preta)

Doida de saudades
e muito chapada,

comi a galinha
enterrei o bilhete
e agora vou queimar

a encruzilhada.


DURO COLOSSO (Felipe Rey)

Roer esse osso
duro da desesperança
Predestino de um nobre
pobre plebeu rude moço
À modo grosso
Como até o caroço
d' agonia
ANGUNIA
Mordo o pescoço
da demasia azia
Me forço
com meu esforço
Mas quando posso?
Mas como ouso?
E como ouso!
Quem sabe um dia
no pouso do repouso
Deitarei em berço esplêndido
limparei a água desse poço?...


ENTRE DENTES (Felipe Rey)

eu te amo amor
e circunvagarei absorto
pelas ruas sujas aromatizadas à urina
e detritos.
em nódoas marrons
a flor da sua face despetalou
no átimo em que eu mirava seus olhos
sob a força da fixação.eu não te amo amor
apenas acometo-me a escrever
versos de vômito e sopro -
algo que me sobra de surpreendente
mesmo eu estando na entressafra da inspiração.
eu amor
rasgarei a seda e o algodão
entredentes
de pronto
soltarei brados estridentes
na secura da minha colheita
beberei a aguarrás da solidão
inclusive
me recusando a implorar o teu perdão.


ESQUEÇA, CHAPEUZINHO (Ana Marques)

Esqueça, Chapeuzinho.
Não há sangue suficiente para nós dois.

Teu corpo dormente, resistente, quase arredio,
ainda tão jovem,
treme de vontade

e arde de desejo
por um fio.

Esqueça, Chapeuzinho.
A capa arrancada, com sangue manchada,
escondida de nós

é prova, testemunha
que és tão imunda
quanto eu.

Esqueça, Chapeuzinho.
As divisões que fizemos.

Os membros desfeitos, dilacerados, ainda tenros
que devoramos juntos.
O acordo selado não será violado.
Será desfeito.

Limpa teu corpo, recolhe tuas roupas.
Chapeuzinho, esqueça esta fome
e volta à tua casa.
Terás em mim o culpado e o cúmplice,
o que devorou tua humanidade.

À meninice roubada,
eu te devolvo a inocência.

Volta para tua vivência, para teu dia a dia.
Sem sangue, suor e sem esse clamor.
Volta a sentir apenas o sabor
dos aromas normais, da vida sem sangue

e sem sal.


ESSE VERBETE DE REFERÊNCIA (Antoniel Campos)

(ou: porque fratura não se expõe impunemente)


não era Donne em versos indo para o leito,
tampouco Caetano ali cantava,
mas Ela, misturando os dois, dizendo:
"quando ele sobre mim e dentro dança lento",
e eu, que já nem sei se lento ou não nela dançava,
sei que mais dentro (sob ou sobre?) me deixava.


ao lado a lingerie recém-comprada
e ainda não usada (olha a surpresa:
trazia entre os dentes e mais nada,
assim, só pele e poros, nua em pêlo),
ao lado, eu dizia, aquele mimo,
que a mão, à meia-luz, fiz que enxergasse,
lacei sua cintura e obediente
deixou (fez que deixou) que eu comandasse.
as ancas alternando ora espirais,
ora fluxos de um percurso sul e norte
- e ora tudo isso quando em 8.


sim, és linda e única e máxima e sem decência.
és meu verbete de referência,
disse.

e ela, de presente, a linda, fez
seu cabelo, todo ele em desalinho,
por campana em meu rosto:
a vida era ali dentro: cheiro e gosto.
o mundo era lá fora: burburinho.


poemas me acorriam, delirava.
sonetos nascituros declamava:


amemo-nos do amor que mata e vive,
sem meias concessões, de tudo ou nada.
do amor do mais amado e mais amada,
que nunca, sei, tiveste e nem eu tive.


mas, não.
ali era o poema em carne viva.
ali qualquer palavra soçobrava.
teus peitos, minha boca, teus cabelos,
meu corpo inteiro entregue, tuas coxas.


amei quando disseste erguendo o queixo:
pu...
(verbete meu e referência minha,
fratura não se expõe impunemente.)
...taquepariu.


então te chamo, abraço e beijo
e em mim tu dormes.


ESSES (Antoniel Campos)

Esse estigma, esse ranço, esse receio. essa cólera de ironia travestida. essa patrulha, essa partilha, esse guia, essa vontade dos caminhos da poesia. esse achismo, esse ismo, esse outro ismo, esse atavismo em vã guardismo: esse fascismo. esse apartheid, esse dedo indicador, essa receita, essa doença, esse doutor. essa palavra, essa não, essa palavra. esse escaninho, esse jeitinho bonitinho. essa postura, esse salto, essa impostura, essa rede de sim-sim, essa costura. essa estratégia, essa falácia, esse tribuno, esse quartel, essa polícia, esse coturno. essa salada, essa sopa, essa lavagem, essa ordem de beber goela abaixo. esse arauto apocalíptico e demiurgo, esse moicano derradeiro desse burgo. esse poema de outdoor e passarela. essa tramela, esse embuste, essa panela.


(Nilson Moreno)

É,
eu tenho fé
no intangível, no impossível
eu tenho fé
que a verdade é inconcebível

Ah,
credito sim
está dentro de mim
com coração, fígado e rim

(se) Deuses há
(que eu) tenha fé
(no que há) em mim


FLAT (Flá Perez)

Não me espere sentado
(ou em pé)
que essa imagem me irrita
e fadiga.

Não me faça mais sala,
pois não tenho estar,
não quero ser domesticada
- tampouco sua amiga -

Pois é!
Tornei - me difícil:
não somo, não creio
não escrevo, não leio
e não edifico...

Não vou, não chego,
e para o bem de todos,
não fico.


JAPONESA (Flá Perez)

Queria ser toda enigmática,
muito mais controlada e quieta,

verdadeiro ideograma de mim.

Tentar me educar, foi em vão.

Sou gritante,
buliçosa, bandeirante,bandeirosa.

Nasci com a dor do carmim,
onde era pra ser cor-de-rosa.


LAMENTO DE UM CERTO JEKYLL (Celso Ribeiro)

Me arguir:
Se pelo anverso me redimir em verso?
Não mais me acomodar às margens
Arrependido, fugidio, disperso...inerme

Me eximir:
Exumar meu lado obscuro, doloso...irascível!
Rotear os lados A/B de minha cíclica vida de vinil de vitrola
Colorizar minha longa curta película frame-a-frame, modo slide

Me conformar:
Ah! ah, minha versão simiesca do self!
Me violenta, me traveste em trapos...
Só me recomponho ao descer da noite...day-by-day
De um convívio side-by-side; com meu íntimo algoz:

Ele. Hyde.


MEDIDAS (Ruy Villani)

Meço minha estatura,
Coisa que dura há tempos
Amadurecido que sou
Ela só tende a me reduzir.

Meço meus sentimentos
Coisa que dura há tempos
Amadurecido que sou
Só tendem a aumentar.

Meço o meu lugar
Onde estou há tempos
Amadurecido que sou
Me cabe entende-los.

Meço meus medos
Que tenho há tempos.
Amadurecido que sou
Eles se vão aos ventos.

Meço tua pergunta
Incabível há tempos
Amadurecido que sou
Relevo e volto à calma

Meço minha alma
Inconsistente e aflita
Amadurecido que sou
Peço, mas não sou atendido,
Que essa alma reflita.

Meço e peço clemência
Definitiva e completa.
Amadurecido que sou
Sei que sou apenas um sonho
Bizarro, estranho, bisonho.


MINHA LÍNGUA (Alana Nunes)

Minha lingua tarada
Deflora palavras
As revira e apalpa
Até perderem a fala

Minha língua insana
Desregrada, encanta
Mesmo em trapos de sílaba
Arde em fortes chamas

Minha língua
Sempre volta
Desonrada
E louca

Nunca morre a míngua
Sem palavras na boca.


MULHER DE MARTE (Betty Vidigal)

Não me olhes com esses olhos de perigo:
cuidado comigo.
Se mergulho nos teus olhos, não consigo
deixar de provocar-te.É um vício antigo,
e esse meu lado disfarçado, ambíguo,
tão diferente do meu jeito
usual de fazer tudo direito
é, dos meus defeitos,
talvez a pior parte.

Sei que dizem que as mulheres são de Vênus,
mas sei que eu, pelo menos,
sou de Marte.


NÃO ME CALE (Ruy Villani)

Deixe o meu poema em paz
Ele faz o que eu não faria
Sorri onde eu não sorriria
E chora onde engulo em seco

Deixe em paz minha poesia
Que não mente nem afirma,
Só revela o que resiste
Seja em rimas pobres
Ou em versos mais nobres

Deixe em paz o que escrevo
Porque lá é mais que desabafo
É a válvula de escape, é o traço
Dos projetos que eu jamais desenharia

Deixe em paz a minha prosa
Permita que ela flua em seu silêncio
De letras justapostas, de palavras escolhidas
Em colheitas temporãs, frases vadias.

Deixe em paz o que escrevo no meu canto
Essa serpente que encanto
E que me olha de frente.

Deixe em paz essa semente
De uma flor que não floresce
De uma planta que não cresce
De um feto que não nasce.

Deixe em paz, leia e esqueça
Meu poema, minha prosa, minha prece.


NO PRINCÍPIO (Alana Nunes)

Que verbo que nada

No princípio
Era o fingimento.

Bastava fingir
Sorrir
Sorrisos de vento

E ali estava o ponto de partida.


E o fingimento fez-se carne

Com olhos esquerdos
Defeituosos e estreitos

Apenas seres terrenos

Seres que sufocam
Presos em si mesmos

E na falta de uma saída

Abençoam a própria urina
E a bebem
Sentindo-se santos
Por dentro.


PRA TER VOCÊ (Lúcia Gönczy)

Pra ter você
Dei muito murro em ponta de faca
Voltei as horas, o calendário
Fervi motor, bati o carro

Pra ter você
31 era o bastante
com ou sem almoço grátis
outro número, mero detalhe...

Pra ter você

Não medi esforços
Tudo parecia bacana
Que nem saquei
A troca de palavras
(bacana/sacana)

Anyway...Pra ter você
Dei nó em pingo d´água
Sem saber que a cada pingo
Eras "tu" que transbordava
Evaporando do meu rio

Pra ter você
Esqueci de mim mas agora me lembro sim
Depois que cheguei à Lua
Com um baita pé na bunda

Vivendo e Aprendendo... ou
ao contrário?...

( e rio disso! - Ivone fs)


¿POR QUÉ NO TE CALLAS? (Alana Nunes)

Como você
Desperta pela manhã?
Perplexo?
Introspecto?

Por que
Não se fecha
No seu mundo
E guarda
Essas palavras
Sem nexo?

Por que insiste
Em fantasiar
O desespero
De intelecto?

Quantos
Espelhos quebrados
Até desistir
Do seu reflexo?

Como você
Vai dormir?
Perplexo?
Introspecto?

Ou apenas
Carente de afeto?


A SONHADORA E O MACHO (Cesar Veneziani)

Teu toque me alvoroça toda a pele.
Teu beijo suga a minha energia,
e tonta tento até turvar o dia
pra que ele meus segredos não revele.

Vem cá, sua vagabunda, e me libera!
E para de frescura e de cú doce!
Não fica agindo assim como se fosse
a última gostosa dessa terra!

Ah, tenha paciência! Dê carinho
que a minha recompensa lhe compensa,
você vai ver, aguarde, meu benzinho!

Porque preliminares quase eternas?
Tem sangue nestas veias, cê que pensa!
Benzinho o que, caralho, abre essas pernas!!!


SÓRDIDA (Betty Vidigal)

Tachei de sórdida a literatura,
mas foi só por revolta contra mim.
Que direito tenho eu de andar assim,
colhendo arame farpado nas estradas,
enrolando-o em rolos comportados
que fazem sangrar tanto as minhas mãos?

Enquanto ri-se o gado, liberado,
e invade os canteiros descuidados
das autobans.

Caminhante prossigo, obcecada,
obsessiva na missão que me propus:
retirar qualquer barreira à doce liberdade
do gado humano,
fazer jus

à tarja anárquica com que fui rotulada.

Sei e sabemos das trocas necessárias,
dos escambos matreiros por trás das fachadas
respeitáveis.

Que direito tenho eu de andar assim,
subvertendo o mal como se mal não fosse?
Interpretando o mal como um caminho
para a doçura inevitável?
O mal.


A TRISTE VERDADE (Allan Vidigal)

Um poema não serve pra nada.
Não paga as contas de condomínio,
Nem as de água, luz e telefone.
Poema é algo que não se come,
Sem sabor, ou valor nutritivo.
E não há um só registro na história
Contemporânea, clássica, antiga
De soneto, de trova ou cantiga
De consequência digna de nota.
Um poema não serve pra nada,
Mas pior que o poema é o poeta:
O poema é apenas a obra
Que o autor por vaidade arquiteta.
Nada há, pois, em todo o universo
Mais inútil que o bardo e seus versos.


UM EU ABSOLUTO E AGONIZANTE (Alana Nunes)

Não sei usar de cautela
Nem prudência
Ou equilíbrio
Não sei olhar pela janela
Sem me jogar lá de cima
Não sei tomar
Um copo d'água
Ou regar calmamente uma flor
Ou mergulho em rios de sangue
Ou mando às favas o amor
Não sei apagar chamas
Nem sentir
Fragrâncias suaves
Tampouco sei usar bússolas
Ou fazer desenhos a lápis
Não sei ficar presa
Sem sacudir
Firmemente as grades
Não sei como é se sentir em casa
Ou morrer só pela metade
Não sei viver em um mundo
Onde as dores
Não apontem a direção
Carrego no olhar
Uma fogueira
E em cada olhada, uma inquisição.


VESTIDO II (Betty Vidigal)

Pois é - o que supunhas?

Às vezes fico assim, bem-comportada,
saia plissada, um pouco abaixo dos joelhos,
e nas unhas,
em vez dos tons vermelhos,
uso estas cores claras, nacaradas.

Às vezes fico assim: bem maquiada,
mas tão discretamente...
Limito o rosto com brincos de madame
- e brinco que inda assim há quem me ame,
mesmo contida, formal, séria, reservada.

E quando estou assim nem se pressente
sob o verniz dos gestos controlados
meus precipícios, o espanto adolescente
com cada pôr-de-lua em madrugada,
cada renovação do sol nascente,
com tudo, quase tudo. E com pequenos nadas,
com ínfimos detalhes comoventes.

Então: o que pensavas, afinal?
Às vezes passo assim dias inteiros:
tailleurs de tafetá,blusas de linho

- e a alma e o coração, meu companheiro,
descabelados,
em permanente e completo desalinho.