P:P-P

Palavra-Porrada é um ezine mensal com textos que só têm uma coisa
em comum: teor zero de açúcar.

Os textos-porradas não têm que ser agressivos. Não têm que ser
violentos. Não têm que ser grosseiros (aqui tem até poema de amor,
mas sem rima de "coração" com "paixão").

A participação é livre e recebemos material até o último domingo
do mês anterior a cada edição. As instruções para envio estão na
guia "Dê Porrada!". Claro que não dá pra publicar tudo o que
chega. Mas a gente lê tudo o que recebe e escolhe cerca de 30
de cada vez.


Este XIV Round traz André de Castro, Benê Dito Deíta, Betty Vidigal, Carlos Eduardo Ferreira de Oliveira, Cesar Veneziani, Dani.'. Maiolo, Diogo Mizael, Dom Ramon, Flá Perez, Giovani Iemini, Isadora Krieger, Izacyl Guimarães Ferreira, Jorge Mendes, José Antonio Cavalcanti, Jurema Aprile, Leo Lobos, Ricardo Ruiz, Romério Rômulo Valadares, Solange Mazzeto e Vlado Lima, além dos responsáveis pela bagunça, Lúcia Gönczy e Allan Vidigal.


Fomos assunto do programa Prosa & Verso da Radio Senado. Dá pra
baixar aqui.

14 de mar. de 2011

P:P-P, XII Round

ALHEIO (Allan Vidigal)
Ausente do mundo que o desabriga,
um menino sem nome inspira o fogo
que arranca à força de dentro da pedra.
No torpor induzido a que se entrega,
inspira trevas pra tapar o oco,
o vazio que lhe preenche a barriga.
É um dia, mais um dia da refrega
de seu corpo esquálido, parco e pouco
com um mundo que o quer morto. Quem liga?


AMAR É MERDA (Cesar Veneziani)
Conforme os coliformes que evacuas
se vão por água abaixo em procissão,
o escuro dos esgotos é caixão
que guarda eternamente partes tuas.

Com eles vão-se todas as agruras
que o corpo te despreza em rejeição.
É que, por conta da eliminação,
te vão restar apenas partes puras.

Também isso se dá com sentimento
de amor. Quando ele vai fica um vazio
que ecoa ao coração desesperado.

Mas em contrapartida é o momento
de agradecer aos céus pelo envio
do que só mal te fez. Foi defecado!


AMOR (Larissa Marques - fragmento do Ciclo dos Símios)
serviu-me a flor como prato principal. ensinou-me arrancar pétala por pétala até chegar ao coração. esse sim, era iguaria fina desconhecida ao meu paladar que aprendi a degustar e salgar por suas mãos teatrais. no décimo terceiro capítulo, ela descobriu que a alcachofra não é flor e sim inflorescência, como o abacaxi. juntou os papéis de seu último pretenso livro e os jogou pela janela, rindo! um copo com uísque, não em grande dose mas o suficiente para fazê-la dormir.


ANTI-HARMÔNICO (Lanoia)
Viva a farsa e a mentira
o embuste de cada dia
o engodo por trás da lira
a loquaz demagogia

Viva a falta de vergonha
o descaso e o desamor
a dor danada e medonha
a danação e o horror

Viva o engano e a sarjeta
o risco de querer mais
a unha perdida do maneta
o excesso de uis e ais

Viva por fim e afinal
a mais total indecência
o bom costume imoral
e a torpe maledicência


ARTE (Cristina DeSouza)
vai-te
arte
buscar dedos
de outra mão
procura
direito
quem direto
e ao peito
irá te segurar
e de leve
te amansar
para que
toda a poesia
seja feita
breve
inteira
com jeito


BELIAL (Dom Ramon)
Na escrita de memórias em forma de trágico, conforme a letra vira caráter, e no papel, fibra, músculos, e suor, e momentos, e olhos, falares e gestos. Conforme vai se emanando - irmanando - em páginas e páginas, o mesmo e o quebradiço momento. Passado. Remembramento. Fraturado pelo contínuo trincar de novas sobre outras apreensões de sensações. No profundo ainda consiste a mesma imagem, o mesmo juízo absoluto, do indito e proibido, daquilo que não deve ser olhado, daquilo que não deve ser tocado, da derradeira cabala dos receios, do calcanhar aquílico: Sombra detrás da consciência, inimigo de dentro, expulso por vã ilusão de imagismos... Nas temidas últimas folhas.

[Olha a janela, apaga o fogo. Observa o céu como quem vê um espelho côncavo]


AS CENTO E ONZE PICAS (Celso de Alencar - Poemas Perversos)
Foram unhas
excitadas do inferno
que deixaram expostas
aos olhos do mundo
as cento e onze picas.

Estão mortas
as cento e onze picas.
Eternamente mortas.
Não veio do gozo
o gemido ouvido
no labirinto.
Foi do vendaval de chumbo
estacado na carne aflita.

Cento e onze bocas mortas.
Cento e onze vaginas órfãs.
Estendidas sobre
o largo piso frio,
enfileiraram-se para o pouso
de insetos de mortos.

Negras, brancas, pálidas,
as cores não importam.
São apenas
cento e onze picas mortas.


COLAR (Lena Ferreira)
Chafurdai-vos na lama
porcos desvalidos
infames caçadores
de recompensas vazias

Atolai-vos no lamaçal
de restos toscos
mortas letras
sem sentido
seta, direção

Catai o grão
do brilho alheio
à meia-lua
madrugada
fria, vento
sem alento
solução

E depois
dessa lambança
pança cheia
vento muito
arrotai
a vaidade
de colher
o sim
do não


DELITO (Daniel Leduki)
Tomei a liberdade pra dizer:
-Estou livre!

Mas ela me embriagou de tal forma
Que acordei com a cabeça estourando
E vomitei tantas palavras a esmo
Que prometi nunca mais bebê-la!

Ressaca moral, saca?

A vida me concedeu um indulto,
Mas ser perdoado temporariamente
É o mesmo que viver carregando
Uma bola de ferro cheia de culpa
Cravada no meio do peito!

E ter a alma sob cárcere privado
Acorrentada, encolhida e trêmula
Num canto frio e escuro do silêncio


DEMÔNIO-DO-MEIO-DIA (Flá Perez)
Aquela mulher
(velha conhecida nossa)
não o ensinou a sofrer de verdade:

toma de mim esse copo de Werther
todas as lágrimas,
sina Tuareg,
essa chuva grossa
de crueldade

e a poesia vai jorrar dos cortes
imensos incêndios,
rios de esquizofrenia, compêndios,

Anatomias da Melancolia
e até mesmo, para sua sorte,
A Grande Morte.


DESVENDA-ME OU DEVORO-TE (Nanda Mateus)
Tenho pequenas obsessões. Todas elas catalogáveis, todas elas discretas de mim. Minhas unhas vermelhas revelam mais de mim do que a pele. Tem segredo de sangue na tinta. E é com ela que faço a vida em saia rendada.

Tenho desejos que acordam de noite, adoram a Lua e dormem de dia. Outros tranquilos, preferem os livros com café. Talvez se meus dedos fossem pincéis, provaria do meu gosto em aquarela pura. Fica tudo grudado nos olhos de dentro. Forço goela abaixo na busca pelo meu filme. Faroeste-noir.

Das cores, prefiro o outono de mim em sépia. Não sou desse século. Minha trilha sonora é. Pianíssimo de tudo, minhas notas são tortas. Um botânico de sensações que não revela.

Sou secreta. Sou esfinge.


DROGAS (Ruy Villani)
Declino da humildade dos cachorros muito mansos
Do riso inconfundível das crianças inocentes
Do olhar sempre vazio dos senis e dos dementes
E vou buscar repouso em lugar que nunca alcanço.

Dispenso carochinhas e outros contos palatáveis
Prefiro melodias e harmonias mais completas
Percorro linhas retas e não curvas sinuosas
As prosas que cometo longe estão de ser soneto

E por falar assim, direto e raso, cara a cara
Não é rara a vez em que ofendo com dizeres
Os seres que me cercam por quem muito tenho apreço

É este o manto estranho que desfaço enquanto teço
É esta a condição a que me exponho sem reserva.
A erva que não fumo e nem masco tem seu preço.


DÚVIDA CRUEL (Cairo Trindade)
não sei se fico
na internet
ligo a tv
vejo a net

não sei se saio
pinto o 7
enfrento trânsito
e pivete

ou faço amor
e um boquete
aqui em meu kitsch
kitchenette

não sei se vou
pro tibet
ou corto os pulsos
com gilete


EPITÁFIO (Celso de Alencar)
Aqui jaz um passarinho.
Foi encontrado morto na rua
e velado sobre o tubo de ferro
que ornamenta a entrada deste prédio.
Seu corpo ainda estava quente
quando foi colocado sobre este
jardim de poeira marrom.
Morreu distante da família
assim como morrem os loucos
internados e abandonados
nos manicômios de Minas Gerais.
Certamente ainda hoje
os funcionários da limpeza
o levarão para o lixo.
Então essas palavras serão
apenas palavras de morte.


EU VOU DIRETO... (Ana Marques)
Eu vou direto
de soco e unha
na ferida mais aberta.
Não tenha paciência
para me ferir aos poucos.


FINJO QUE NÃO LIGO (Lúcia Gönczy)
Meu pensamento
me condena

A verdade é bem maior
do que este quarto escuro

Quanto mais afirmo
que não amo

Minto.


FISSURA (Rosa Cardoso)
pequena fissura
desfia a malha

remendo

uma
duas
mil vezes

misteriosa e confusa
teia de seixos
que me enrola

a fissura eu escondo
e me enreda
sob o disfarce de um sorriso

uma
duas
mil vezes

escrevo bilhetes plenos
vastos de segredos claros

de novo e de novo

amasso o papel
bolas compactas

rolam nos cantos do quarto


FODA-SE A UNIVERSIDADE (Geraldo Maia)
Odeio a universidade pós

Com maçanetas quânticas e quasars caretas
Parece um museu
de títulos abastecido de abismos
Odeio a universidade corta
mente
Com suas salas de tortura mergulhadas
Em formol
indigente
Parecem pocilgas numa escuridão
Privada
Ou latas
de pântano aos gritos
Morte à universidade e seu cabelo de
pátina
Sua fieira de miolos castrados
Asas em conta-gotas
e
professores de moscas
Confessos réus de uma fornada de
inválidos
Banidos dos processos de universo
professam uma
moto-serra de cátedra
A universidade é um tiro no anacoluto

com seus escravinhos orientandos
empalhados por um
sodomita
graduado em GEDs
que curte fraque de anis
e
toga de alcaçuz
Foda-se a universidade com seus
carcereiros
titulados
Suas orgias de parvos
Sua sede de pascácios
Foda-se
o doutor de ausências
O phd ilha
O mestre de repetição e
obediência
Odeio vocês incapazes de beijos desnudos
Com seus
inúteis diplomas de plasma
Suas placas de náusea
com genomas
mecatrônicos
Odeio a universidade e sua aridez atômica
Sua
preguiça atávica
de pensar em cima do muro
Odeio sua crônica
descerebrada
de copiar o fracasso obsoleto
e defasado dos
doutos
desimportados
Odeio sua estúpida mania de odiar
tudo
que não lhe é rastro exato
É preciso odiar essa fábrica
de
universiotários de plástico
Sob as tentações
cristantans
do barato saco
E que depois de muita
muita
aposta
no co-sexo curto
Prepara mais um surto
De ignorância
chapada


.GIF ANIMADO (Allan Vidigal)
"Agora vai, já tá quase:
falta só por uns anjinhos,
umas letras coloridas,
dois ou três erros de crase.
Métrica? Ritmo? Pra quê?
E daí que é só chavão?
O que importa é que tá lindo
e escrevi de coração"

(nunca sai nada que preste.

Sou mais injeção na testa
que essa poesia canhestra
que grassa pela Internet.
Ah, poesia burra e pobre,
arremedo de literatura:
não vale os bytes que ocupa
nos servidores dos blogs).


HÁ TANTOS PLANETAS (Rosa Cardoso)
há tantos planetas
pequeno príncipe
tantas galáxias distantes
entrevistas nas frestas
dessas conversas

há tantos laços,
pequeno príncipe
tantos beijos partidos
nessa voragem rasa
em que vagamos rendidos

são vórtices furiosos,
querido amigo distraído e
mastigam teu sorriso
que vagueia no poente

há tanto para não dizer,
pequeno príncipe perdido
tanto para não fazer
não vê?

a tarde caiu pesada e ávara
o sol enlouqueceu
tingiu tudo de um vermelho
vago de inferno

bruxas e santas me recitam
num delírio de céus e pecados
cada vez mais caras
irreais, surreais

é tarde, meu pequeno


INSTANTÂNEO (Iriene Borges)
Há quem diga cisne
há quem diga borboleta
e há ainda quem aponte
a exuberância
prestes à implosão
e ávida por existir- ainda-
que há quem diga cinza
e há quem diga alma

Talvez eu conte da metáfora
que veste bem, e fascine
a carapuça delicada
do sujeito à gente errada
se aferir privilégio maior
do que o engano
e a metamorfose

Talvez desponte o fio
do escuro que seda
e eu não corra
só me enrole e durma
significando despertar
sem corpo mole ...amanhã.

Inconsistente
o meu papel medíocre
pede grafite macio
e adia tudo

Já perdi a hora e o prumo
em mensagens cifradas
sem demandar resposta
a minha melhor proposta
veio da última visagem
"escrever para a posteridade"

Mas ainda estudo.


ISTO (Igor Buys)
Isto é o que sou
e não sei;
é o que sei
e não sou;
o que defenestro
e vomito;
o que amo
e não digo.

Isto é o meu silêncio
mais que o meu grito.

Isto é o que
te jogarei na cara,
ainda que cara
me seja a tua voz.

Isto é o que
não se cala,
mesmo sendo
palavra muda.

Isto é sêmen,
levedo;
isto é cicuta,
degredo.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxNão abras as coxas
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxao meu verso
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxou te faço um filho.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxNão grites Barrabás
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxao meu verbo
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxou te ressuscito nua.

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxMeu verso tem poder
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxmesquinho
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxsobre o que é não-ser.

Isto é o que nego,
depois faço.
Isto é aquilo
e aquilo outro.

Isto é o que não
vivo.
É o que suicido.


JIHAD (®i©k)
Nas areias do deserto
ritos contritos
e atritos
cinco vezes ao dia!


MANHÃ DE SOL (Betty Vidigal)
O sol brilhou sobre a lama,
iluminando a tragédia.

Aqui, senhores, ficava
o Vale do Cuiabá.
Bem ali era a lojinha
onde seu Jonas vendia
botões, carretéis de linha,
miudezas em geral.
E ali era o bar do Zé,
onde comprávamos balas.
Logo além havia um haras,
com seus corcéis de veludo.
As águas levaram tudo.
Nem as mansões resistiram.

O rio, aquele riacho
que vem cantando nas pedras,
tão lento e melodioso,
aquilo virou um mar.
Ninguém consegue explicar
como foi que aconteceu.
Foi como quando, num filme,
o herói vira lobisomem.
De repente se agiganta
e transforma-se num monstro
frente aos olhos da platéia.
Assim, senhores, o rio.
Súbito, na madrugada,
desceu de cima dos morros
uma avalancha de troncos,
de água, pedras e lama,
levando pelo caminho
tudo que pôde encontrar
O rio virou torrente,
subiu mais de cinco metros,
cobriu o vale todinho.
Não houve sobreviventes.

Agora é contar os mortos
e tentar recomeçar.


MANIFESTO DE PORRA NENHUMA (José Henrique Calazans)
um dia eu vou chegar bêbado na sala de aula
mijar na mesa do professor
escrever palavrões no quadro
e dizer poemas surreais numa língua inventada
atirar as cadeiras pela janela
assaltar a lanchonete
assassinar o reitor
e depois reunindo os estudantes no pátio
fazer uma grande fogueira
com todos os livros de teoria
abraçar os vira-latas e as árvores
proclamar a abolição das roupas e dos bons costumes
e declarar solenemente
na assembleia geral dos doidos varridos
que as únicas bases para a construção do mundo

são a vida
os sonhos
e a poesia


PALAVRAS NÃO DITAS (Ruy Villani)
Não sabemos ser separados
Por mais que evitem os surdos
Os absurdos de tuas palavras
Por mais que evitem os cegos
A sombra de tuas imagens
Aragens mais sérias te fazem
Pedaço, ou parte, ou miolo
Essência ou potenciação.

Os teus cacos miúdos não são
Mais que os meus remoídos
Pedaços ungidos
De restos, farelos,
São elos, são ligas
São figas da mão direita
Mais fortes que a seita,
Mais fundos que as rezas.

Se está junto ao chão o que prezas
Responda à minha maneira
Confesse a teu modo esquivo
Mas jamais te esqueças
Que em teu silêncio
Pensado sem preces
As palavras doces
E não pronunciadas
Se guardam intactas
Por algum motivo.


PILEQUE DE PALAVRAS (Cairo Trindade)
entro no poema sem pedir licença
sem medir limites - livre e sem pudor
entro de cabeça entro inteiro dentro

desnudo e em espasmo mergulho me perco
me afogo e me engasgo - susto transe surto
quase sofrimento quase-quase orgasmo

saio do poema como quem renasce
tonto e muito louco - quase sangro sempre
quase sempre gozo e sempre morro um pouco


PINTURA (Reinaldo Luciano (®i©k)
Passo calado diante da favela
e da janela do ônibus lotado
um denso morro e um povoado intenso;
e atordoado penso: a vida é bela.
Fosse eu Picasso, que quadro pintaria!
Reduziria para dois metros quadrados
toda a miséria do quadro da janela.


SÃO JOSÉ II (Tiago Oliveira)
Na rua principal e na do meio,
A paz insólita e infernal trafega.
Somente a insuspeição de uma bodega
Abriga a discordância de um rateio.

Mas na rua do rio, um monstro, às cegas,
Só pra satisfazer seus devaneios,
Engana pra chupar pequenos seios,
Ilude pra esfolar o pau nas pregas

Intactas de uma jovem viciada.
Pra garantir que lhe as vontades faça,
Parte uma torpe pedra em dois pedaços:

Um pedaço lhe entrega antes de nada,
Mas o outro só depois que, na trapaça,
Lhe arranca brutalmente os dois cabaços!


SENTIDO DA VISÃO (ükma)
A pedido,
Um par de Olhos ingênuos
Foi levado para um passeio
pelos palcos de fogo
onde queimam retinas.

No outro lado da rua, seguimos
detrás do cortejo de bundas - vagas - ,
bebendo peitos que vazam das meias-taças,
lambendo coxas que derretem com fogo baixo.

Trilha de excessos,
orgia em ruínas,
desonra precoce dos Olhos...
retrato arruinado em moldura frágil.


TROPEÇOS (Paulo Gomes)
Sob o sol escaldante caminho a passos já não tão fortes,
os ponteiros não me deixam esquecer que estou atrasado,
o suor em minha camisa de que ainda tenho um dia inteiro pela frente.

As pessoas a minha volta já não me olham como se eu fosse tão diferente.

Um lobo precisa saber se disfarçar de cordeiro,
precisa ter seus costumes,
seus pensamentos,
seu cheiro e hálito,
para então derrubar, um a um,
aqueles que estiverem em seu caminho.

Mas meus passos já não são tão fortes,
em dias como esse é difícil manter-me inteiro,
manter-me lúcido,
manter a clareza de onde vim,
para onde vou,
e quanto mais preciso esperar.


ULTIMA RATIO (Celso Mendes)
espreito o indefinido como quem morre outra vez
meus olhos carregam cinzas
seguem opacos, cansados
mas avistam a última barreira

um sussurro me confessa mistérios
demônios dançam libertos
tridentes na carne que sangra
fustigam meus sonhos que teimam ficar

insisto
rasgo realidades com meu arpão de delírios
penetro o infinito como um bólido
abaixo do limiar, o desejo do verme me devora entranhas
mergulho-me

caminhos a escolher e um destino marcado
resta-me seguir e contar às estrelas

até a treva, seus derradeiros reflexos
haverão de me acompanhar


OS VERSOS QUE SE FODAM (Barbara Leite)
Se sua saudade resistir até sexta-feira
vamos programar mar
com porções de macaxeira

insinuo meu corpo nu
com a delinquência ensaiada
dos olhares de Capitu

Sob a estampa do vestido
habita uma poeta adormecida
que quer versar lembranças infundadas
sem métrica ou lirismo

Mas se eu não voltar a ser poeta
e a saudade durar até o fim da semana
façamos uma festa
esmiuçando saudades
de ritmo e cama


VOTIVA DE NUNCA (Flá Perez)
Que, desavisadamente e sempre
chovam tristezas em sua nunca paz

e o poder do seu abraço intenso
nunca evite o transbordar da dor.

Que o gozo não se faça orgasmo,
a mulher dos sonhos
não te satisfaça em nada

e a abundância da mesa à sua frente
nunca vença a fome
ou cesse a sede que te mata.

Que nunca, nunca sintas gosto!

Que não te assustem as distâncias,
sempre vás em busca

e que nunca encontres.

Que, ao voltar de mãos vazias,
a brisa não te alivie as costas
da carga de ser ninguém

e o Sol se negue a aquecer,
em desconsolo,
a impotência do que foi em vão.

Amém.