P:P-P

Palavra-Porrada é um ezine mensal com textos que só têm uma coisa
em comum: teor zero de açúcar.

Os textos-porradas não têm que ser agressivos. Não têm que ser
violentos. Não têm que ser grosseiros (aqui tem até poema de amor,
mas sem rima de "coração" com "paixão").

A participação é livre e recebemos material até o último domingo
do mês anterior a cada edição. As instruções para envio estão na
guia "Dê Porrada!". Claro que não dá pra publicar tudo o que
chega. Mas a gente lê tudo o que recebe e escolhe cerca de 30
de cada vez.


Este XIV Round traz André de Castro, Benê Dito Deíta, Betty Vidigal, Carlos Eduardo Ferreira de Oliveira, Cesar Veneziani, Dani.'. Maiolo, Diogo Mizael, Dom Ramon, Flá Perez, Giovani Iemini, Isadora Krieger, Izacyl Guimarães Ferreira, Jorge Mendes, José Antonio Cavalcanti, Jurema Aprile, Leo Lobos, Ricardo Ruiz, Romério Rômulo Valadares, Solange Mazzeto e Vlado Lima, além dos responsáveis pela bagunça, Lúcia Gönczy e Allan Vidigal.


Fomos assunto do programa Prosa & Verso da Radio Senado. Dá pra
baixar aqui.

5 de ago. de 2010

P: P-P, V Round

ACHADOS DO ACHISMO (Cairo Trindade)

antes...

eu achava isso e aquilo e o caralho

ilações deduções conclusões

até achei que me achara

às vezes me achando o cara

às vezes me achando um chato

achei q era o rei do insight

acabei enchendo o saco

ontem

diante do espelho

me achei no fundo do outro lado:

agora

eu não acho mais nada


AIS (Nilson Moreno)

Ah, se fosse mais que ais
e se desatasse nós

e não me deixasse só
tão-semente com meu caos

nas funduras abissais
do mar e feito de pó

enfrentando tais chacais
com gravatas, paletós

sonhando crer num após
como não se viu jamais.


ÁLBUM DE FAMÍLIA II: O HOMEM QUE COMEU MINHA MÃE (Vlado Lima)

o homem que comeu minha mãe -
o primeiro -
era moreno
meio mouro
meio bugre
o cabelo preto, muito preto
e uma lábia de vendedor de enciclopédia

o homem que comeu minha mãe
chegou no lombo de uma Caloi
um cowboy nordestino
de sapato bico fino
calça pantalona
brilhantina no cabelo
e uma peixeira calibre 22
minha mãe caminhou sobre as águas
tocou banjo com anjos alcoólatras
e passou mertiolate nas chagas de Cristo

o homem que comeu minha mãe
foi embora no intervalo de um Corinthians e Bangu
disse que ia comprar cigarros
e desapareceu numa nuvem de gafanhotos
minha mãe desceu à mansão dos mortos
lambeu as sarnas de Cérbero
e pariu crisântemos nas vielas do inferno
virou uma bruxa chocha com o coração de jiló
que em noites de TPM cospe relâmpagos de sal

as vezes a velha olha através de mim
: tu és a cara do teu pai!


AQUI, (...) (Romulo Ferreira)

aqui,
onde dou asas às palavras,
sou uma pequena criança
tentando consertar em sonhos
o que em duras realidades
estragamos


ARREDIA (Flá Perez)

Égua brava,
cheia de balda,
se encanta com espora
e fome.

Maltrate,
deixe-me uns dias
sem água

só então me dome...


BABO SEIRA (Flá Perez)

Ao pé-de-ti
plantei um pé-de-mim

adubei com algo
que o cavalo deixou no quintal

-melhor que xaxim-


CAMISOLENTA (Sylvia Araujo)
http://abundante-mente.blogspot.com

Ando camisolenta,
arrastando as sandálias pelos dias.

Ando neblina densa;
ando rotina dura;
ando vazio esparso
- laço desfeito,
gasto.
Ando, por aí, sem rumo,
desencontrando os passos.

(Ando camisolenta,
afastando os dias pelas sandálias)


CONCOMITANTE (Lena Ferreira)

Trava, a verdade,
batalha feroz
com a língua
-dia após dia-
.
Conflitante
Mente
.
Escárnio-platéia
escorre da boca
esfola a ferida
esgrima de prata
escudo no ego
escuro; retina
.
Duelo sangrento
ditado-arqueiro
desviando o foco
.
Falácias em eco
falésia de letras
falido argumento
.
Resvala a clareza
responde; fineza
revida em crueza
revela a certeza:
.
Comomitante
Mente


CORAGEM (Cecilia Ferreira)

Do meu gesto nada resta
sombra ou sobra de infinito
Nesta réstia de desmedo
o desmando do inimigo
traça o gosto
traga o rosto
troca o posto
e traz perigo


PERSONAGENS À PROCURA DE UMA TRAGÉDIA
(Marco Antunes)

1-ANDRÉ

André nasceu de uma nefasta conjunção
de saturno retrógado com vênus em expansão,
numa noite sem lua em barraco montês de um morro carioca.

Seu rosto, esculpido a tapas embriagados de pai,
moldou-se para sempre circunspecto e anguloso de ódio,
seu corpo nutrido de restos, quintessência de todas as xepas,
era um complexo muscular percorrido de nervos mal educados
sempre de prontidão para o golpe ou para a fuga.

Fez de uma navalha seu quinto membro e a rubrica da fama.
A morte era, todo dia, o infalível pouso mais próximo,
só por teimosia do destino ou falta da oportunidade exata
conseguia voltar ao fim da noite para dormir em casa.

André, que não morreu de subnutrição no berço,
que se deitava com a doença das putas,
que roubava a vida nas esquinas,
que corria da polícia por entre carros na via expressa,
que matava pra poder passar pelas ruas da favela,
estava condenado a viver além das próprias forças
e a morrer de velhice rolando sobre a inflamação das próprias chagas.

2-LÍVIA

Odiava até a última reverberação do seu nome,
essa junção de fonemas róseos de feminil evocação;
Odiava a prisão curvilínea do seu corpo de mulher
e em especial as esferas perfeitas dos seios.

Um deus zombeteiro a pintara em tons pastéis
com nanquim ao modo sutil do bico-de-pena
e sua pele de papel de seda e pêssegos tinha o frescor
de musgos matinais sobre pedras de veludo orvalhado.

O sonho preciso de tantas outras era o seu tormento
e a graça, mais viva que o afetado de seus modos viris,
era um requinte de crueldade a torturar-lhe a alma tosca
de macho adoentado em alcova de chamalotes.

Se um vivesse independente do outro, teria, de criança,
vomitado o corpo de fora da alma para a terra devorar
e habitado uma carcaça de touro ou um couro rejeitado de cobra
contanto que se libertasse do ridículo do soma de seu cárcere.

O maior acinte, no entanto, era o desejo de outros homens
lambendo suas carnes à revelia de sua vontade
e da luta vã
travada por esgrimista desarmado
contra a libido alheia
E ele, ainda que enojado,
sofria em tácito
o escárnio da regra implacável
do seu destino.


ENCOURAÇADO (Dom Ramon)

"Anelo, couraçado, ao destruir de ondas.
Anelo, encouraçado, reluzir, das chamas... (...)"

O mar já não é como outrora, o tarantar continuado dos charcos, apedrejados, clama velho sentido de alerta. Duas, são as mãos do Destino; relembra meu bramir interior, e com uma a destruição procurada, a destra, e com o sinistro a misericórdia.

Agarra-me sinistro!

Moço, jovem, fresco de sonhos, calejado pelos monstros marinhos, pelos monstros, nos homens, envelhecido, constrangido, vertendo em tenebroso tempo, coragem de vida, ou de morte. Vertendo pelos ventos, pelas ondas, nas rochas. Erguida muralha de pedra, resiste ao mar, erguida e por ela, em frente, sem temor ou terror.

" (...) Suprimido de raiva, resistência, bravura.
Entre as pedras do rochedo, de qualquer praia".


ENCURTEI (Lan Palma)

Encurtei o tempo
Tropecei no alheio
Corri atrás do verbo
Perdi o trem

Faíscas não são fogueiras
Acendem mas não aquecem
Perdi o trem
Mas não o passo
Aguardo lenta
Sono, cansaço

Encurtei o tempo
E quis amarrar o dia
Perdi o medo
Adormeci menina

Luzes não são afagos
Clareiam mas não abreviam
Perdi o trem
Mas ainda vago
Adormeci nua
Simples , laço

Encurtei o tempo
Cavei a cova
Enterrei o verbo
Lá vem o trem (não estou morta)


ESCULACHO (Lan Palma)

Abandonar, ruir
Desapego
Rir alto, desdenhar
Sem medo
Esse esculacho desigual
Tem gosto de fruta barata (mexerica)
Beira o ilegal

Assumir só o que convém
Ter São Jorge como guia,
Afogar as fadinhas
Ser bacante
vomitar na pia

Esculacho
Descambar, fugir
Abandonei
Rasguei a rima
Tropecei na métrica
Errei na concordância
Foda-se a palavra certa


FAVELA (Luiz Pacheco)

não aquela,
da novela.

aquela,
onde se dorme
nos intervalos
dos fogos de artifício,
ou de balas invasoras.

não as de caramelo.

aquelas, que furam paredes,
armários e crianças.

aquela que nas
suas idas e vindas,
se perdeu
e me achou...

fui...


FICAR SOZINHO (Helton Fesan)

É necessidade de urgência que eu fique sozinho
Totalmente só.
Gostaria realmente de estar abandonado
em lugar nenhum,
onde não se ouvisse vozes
que conversam sobre o meu não interesse;
sem buzinas e motores,
sem latidos persistentes,
lugar que não houvesse cantoria
de poesia barata ou consistente.
aparelho de tv, som, vídeo, micro,
luz piscando , apagando,
brilho sumindo de repente
lugar sem hipocrisia,
falsos sorrisos, falsos bom dias,
aceno de mão, vizinho ou parente,
um buraco afastado
bem escuro e desconhecido,
sozinho distante e latente,
enfim lugar que não houvesse gente.
Onde não perguntem como estou,
Não saibam quem sou
E não me contem quem são,
Eu e eu mesmo sem interrupção.
Sem afeto nenhum, que careça demonstração
Sem "oi" nem "adeus", nem " tchal", nem "foi bom?"
Sem gemidos nem sussurros
apenas respiração.
Sem nada que me cause dor,
nada que me peça amor.
Nenhuma preocupação,
com unha, barba ou cabelo
Nem sequer conhecer dinheiro;
Sem pedintes, mendigos,
trombadinha ou ladrão
Aids, gripe,
câncer ou superpopulação;
Preciso com urgência desta solidão
Preciso desta solidez
Estar sozinho, ficar muito comigo
Pra gostar um pouco de vocês


GUERRA SANTA (Nilson Moreno)

Qual dos deuses explode este planeta
nessa sanha de ver sangue jorrar?
Gentileza de Zeus, Tupã, de Alá,
Anhangá, Ares, Marte, do Capeta?
Por que deuses incluem-nos na treta?
E qual deles mais ri de quem se ferra?
Algum deles traria paz à terra
até para o inimigo declarado?
Quantos deuses estão de cada lado
quando o mundo celebra a santa guerra?


IMAGENS DE SONHOS (Ruy Villani)

São fragmentos tantos
São encantos aos pedaços
São traços de sabores d'outro vinho
São linho esfarrapado, ou as rendas
Crochês de agulhas já não ágeis
Colchas tecidas em costuras frágeis
Remendos sem o zelo da ciência
Que sabe de nossas mulheres prontas.

São contas, como são contas de terços
São versos tão inúteis e batidos
São livros já tão lidos e relidos
Ou versos de poema remascado.

São sempre o outro lado
Margem oposta de qualquer ilha
Fita feito festa feita filha
Milha derradeira percorrida.

São esses os meus indeléveis sonhos
Lugares, mesma sala, paisagens
Ares de outro lugar, e mesmo assim aragens
Familiares, casa de sempre, embora nova
Conhecida só na rima de uma trova
Relembrada como nova e ainda assim antiga.

Sempre a viga e a coluna
Que me sustentam em riste
Nem alegre e nem triste
Apenas as observo
Como delas sendo
O mesmo senhor e servo.


IRONIA DIET (Rosa Cardoso)

comecei
- rigorosíssima -
uma dieta:
prometi me abster
de tudo que faz mal
ou engorda

tua alma
essa que vem me ver
tarde da noite ou
no meio da tarde
não faz parte do cardápio

cortei
devaneios
caprichos fora de hora
extravagâncias

teu sorriso
esse que gira
em torno de mim
fazendo cócegas no
céu da boca

- doce-

calorias demais!
não tem jeito
foi cortado

É preciso
cirúrgico
exato


MEUS POEMAS NÃO TEM CONSISTÊNCIA (...) (Lúcia Gönczy)
meus poemas não tem consistência;
são cuspidos, pisados, sovados.
carinho deixo para massas tortas...

meus poemas?
passo-os, todos,
no moedor de carne


MISANTROPO (Allan Vidigal)

Covil de concreto e de vidro,
arquivo das perdas e danos
causados por mim a mim mesmo.
Covil de concreto em que vivo
dos frutos de erros e enganos.
Caverna de vidro em que habito,
varado de dor e tormento.

Recebo a visita do vento
que vem me fazer companhia.
Relembra as escolhas que fiz,
sementes plantadas há tempo,
brotadas em erva daninha.

Procuro por ecos de mim
na torre de vidro e concreto –
suplentes no mundo moderno
do mítico e puro marfim.

Abraça-me o vento no escuro
enquanto a mim mesmo maldigo.
E os ecos de mim que procuro
(em vão) em milhares de livros
não há, vez que são, eu bem sei,
os filhos que nunca terei.


O ÚLTIMO ATO (Tim Soares)
Os últimos raios de sol se extinguiram quando a oficial se dirigiu até a cela de Nadja.
Sem esperar que algo fosse dito, a condenada fechou o livro que estava lendo e levantou-se enquanto a oficial abria a porta da cela. No seu olhar grande e verde, não havia medo ou tristeza, apenas uma serenidade inquietante. Enquanto caminhava em passos vagarosos pelo longo corredor, se pôs a lembrar dos longínquos momentos felizes que tivera como dançar descalça na chuva pensando nas antigas canções russas que ouvira na velha vitrola de seu avô.
Na sala, quatro oficiais, Nadja, uma grande e velha cadeira elétrica, e cadeiras vazias.
Uma oficial banha uma esponja em água limpa e a coloca sobre a cabeça de Nadja sem os cabelos que haviam sido raspados na noite anterior.
A mesma oficial terminou de prendê-la à cadeira, enquanto outra começara a declamar:
- Nadja Ashavenko, a eletricidade passará por todo o seu corpo até você morrer, de acordo com a lei do estado de Black Water.
A última reação de Nadja foi esboçar um sorriso aliviado por baixo da balaclava que cobria o seu rosto, quando a alavanca foi acionada.
Em trinta segundos, Nadja estava morta.
Seu crime: Sentir saudade!


OUTRO (José Hamilton da Costa Brito)

Uma estrela percorria
O firmamento
Na planície verde
Um jumento
No quarto vazio
Em um computador
Outro
Em outro
Lendo um monte
De merda
Um outro....


PERPETUAR A PRÓXIMA POESIA? (da série "Abcessos") (Cecilia Ferreira)

Não diga disposições afetivas, ao modo e desejo de Drummond;
não cadencie metafisicidades, como condenou João Cabral.

Se lírica, versificada, hermética e dúbia,
que se queira
querida,
como quer,
mulher,
qualquer
canção popular.

E só então tecer,
e cavilosamente provocar,
canções de carijós e garnisés
em manhãs de apostemático copular...
A pró populheresia.


PLÁGIO (Ruth Cassab Brólio)

Eu vi Van Gogh
No canto da estrada
Do oeste do Paraná.
Impressionismo é isso?
Ou seria a pós-impressão?

E vi Lautrec lá
Na moça do pedágio.
No sorriso dela
De lado.
Expressionismo,
Só a sua expressão?
Ou tudo não passou
De plágio?


PRAZERES PUERIS (Mateus Santiago)

Agora tuas coxas se contorcem
em espasmos convulsivos;

E tuas unhas rasgam
as minhas costas;

Teus gemidos são gargalhadas
infantis e sinceras.


PREGAS (Laís Chaffe)

celibato
em teus sermões

o resto é boato

a jactar-se
de virtudes
já de joelhos
nu ato
ouves do jovem
beato
a quem não iludes
enojado
ao próprio jato:

não me venha
pregar moral
de cu
eca


PRÓDIGO (Larissa Marques)

rasguei-te as palavras
impugnadas das paixões
que simulamos

não surpreendemos mais
vazios da expressão de prazer
em fronteiras de sentimentos
que nunca existiram

de meus calos desfolhados
tento roubar-te a face
mas eles
cancros silenciosos
têm motivação voyeurista
alimentam-se
dessas nostalgias defeituosas
expiadas em ti
no mais particular
de teu corpo e coração
elevam-me a espectador
de uma tragédia épica
que acolho em mim
por mais de trinta anos.


QUIZUMBA (Bento Calaça)

Embaça na janela fria
o amor
o amor que ás vezes passa

Amor de vidraça

Na luz âmbar das ruas
amor quizumba
que zomba

Amor
Seta reta certeira
sangra, crava e passa
ás vezes fica.


RELAXA, BABY (Angelo Portilho)

Mar, contar e dar
O Tom rabiscou no papel
Cuidado e lado, futebol e sol
Estas, assinadas por Noel

Siga a Onda e a Conversa de Botequim
Perceba a simplicidade do sucesso
E desencane logo destes traumas
Isto é tudo o que eu lhe peço

Tem tanto doutor em poesia
Procurando par pra Schwarzenegger
Sofrendo pra enriquecer aquela rima
Esgotado ao parir a obra prima

(Ao mundo, a dor da melancolia
E o paciente que o carregue)

Na certeza da palavra elaborada
Satisfeito por remendar o soneto
Perdendo o último fio preto
E dizendo absolutamente nada


SENTIDOS (Paulo Gomes)

Gritei com tanta força,
seu nome, buscando-te em vão,
que estourei minhas cordas vocais

Beijei tantas outras bocas,
procurando sua língua, seu gosto,
que inutilizei meu paladar

Ouvi tantas putas,
macumbeiras, bruxas
que meus ouvidos tamparam,
na ausência de sua melodia

Olhei dia e noite,
Sol e Lua, buscando o seu brilho,
até cegar minhas córneas
e enxergar sua ausência

Cego, Surdo, Mudo, "Ageusico"...

Cravei minhas unhas em meu peito,
rasguei pele, senti o sangue,
adentrei os músculos, quebrei os ossos,
e com meu último sentido, o tato,
senti queimar minhas mãos,
segurando um coração intenso demais,
para esse meu corpo, humano demais...


TANTAS PALAVRAS ... (Lúcia Gönczy)

tantas palavras...
[difíceis!]
tantos verbos
[desnecessários!]
metáforas, metomínias, medos
tudo intrínseco, esculpido por dentro
implode no peito do poeta
hoje percebo claramente
o quão todos estes não-me-toques
enojam-me
causar furor através do intransponível
universo de sons oblíquos
e, ambiguamente, parecer paralelo
sorte ou mágoa do bardo
esta sina de cigano figurativo
que permeia a língua sem
tatear o tato.


TILINTAR (ükma)
Meus dias acordam felizes agora e há quem reclame. Hoje não quero apanhar, mas conheço uma lista de iniciantes que topam tudo.

Não estou rica, apenas exausta demais para usar todas as noites, uma fantasia cara que acabará destruída, entendeu? Agora eu entro deslumbrante na limusine e volto pra casa linda, gosto disso.

E o velho uísque que antes era remédio, agora é canção de ninar com gelo.


TRAJETO (Allan Vidigal)

Parto do alto.
Paro atrás da orelha esquerda,
onde se concentra, intenso,
algum truque olfativo de Kenzo.

Toco a nuca, onde o cabelo,
gradualmente se transforma
na penugem fina
que te desce clara pelas costas;
na penugem que se eriça
quando explora minha língua
cada vão da tua espinha.

Olho pra cima
ao som de um gemido teu.
Por um segundo assim me distraio
(por cima do ombro direito
me observas de soslaio).
Acolho nas mãos os teus seios,
de novo enceto a jornada
a um destino certo - tu -
em que me perco e perco meu norte

a caminho do teu sul.