ASSUSTEI-TE? (Lena Ferreira)
Por que o espanto?
Assustei-te por querer
um gozo inteiro
em plena madrugada
na minguante fase lua?
Entendo...
Mal acostumei-te
a arder somente
em lua cheia
conveniente
mente
Basta!
Quero-me inteira
intensa, sem amarras
socialmente inaceitável
Quero a sensação
de completude
hoje e sempre
no agora
Assustei-te?
Bem supunha
Sugiro
que tateie-me
melhor...
...ou melhor,
vá embora!
ATENUANTE (Flá Perez)
À noite minha cama
se enche de demônios,
e o choro de crianças não nascidas.
São césares, otelos, minotauros,
creontes, menelaus, jasões e midas.
Chegam de costas, como a saírem,
carregando as almas tortas
mancando atrás dos corpos.
São íncubos furiosos e antigos
de olhos másculos, músculos,
espartanos,
falos maiúsculos
e vem brandindo os rabos
e os remorsos
pra ter alento
nessa boca tântrica
e na doçura soberana
do meu dorso.
tenho o equilíbrio das forças
entre as cheetas
e os antílopes,
papoulas, carma dos lobos,
entre meus dedos de morgana
tenho o olhar dos destinados
às grandes revelações
e martírios
contrastando com a cara
de sacana
e a pele santeria
manuscrita em pena ígnea
que dissolve cianetos,
aleijões, incestos,
e faz das faltas deles
meros palimpsestos.
Quando amanheçe,
e peço aos céus,
que acabe logo com isso...
bem, eles se vão,
como a chegar,
quando repito,
como se fora em prece:
"ao menos uma vez
me mandem cristo".
CACHOEIRA (Rodrigo Domit)
Do alto do precipício
atirou-se, impulsiva
foi a gota d'água
CINZELADA (Rosa Cardoso)
ergui essa escultura
cinzelada pelo medo
lavrada pelo grito
sem rumo, vazio
tua voz entalha essas falhas
santos escapam pelas beiras
ouvidos moucos me traem
tua pele rouca rasga a noite
navegamos perdidas
estátuas de sal
apuradas em pele sangue
e avaria
DECISÕES COMPLEXAS (Ruy Villani)
Infantes, o somos
Embora aspires consoantes
Harmônicos mantras de outras paragens
Somos iguais.
Vogais
Apenas sonidos e abertos
Estamos por perto
E por quase nada
Somos não mais
Distância
A tua escolhida inconstância
De somas e somas que nunca são mais
Não paz
Apenas delírio
De quem já passou da penúltima gota
És rota
Desfeita em retalhos
Feita em bugalhos
Que sempre me dizem por quais
Que seja, não por que eu queira
Mas por falta de beira,
Jamais.
E jamais, sei por intuitivo,
Nunca é algo definitivo.
DISPENSO AS MÁS LÍNGUAS (Lúcia Gönczy)
Dispenso as más línguas
bocas sujas de mel cheirando
a fel
Sarjetas sob disfarce de bons modos
Dinamites implodidas...
Detesto o mal me quer disfarçado
de bom moço
Quero, sim, o verbo ácido e ávido
A palavra que fere a verdade;
Ao invés de trocadilhos baratos
quero a vida, exatamente,
como
ela é:
sem censura...
sem cortes!
É PRA SER DESENHADO? ENTÃO TÁ! (Dani Maiolo)
Dias de desgraças,
não provém de fúteis ameaças.
Dias que são noites,
das suas eternas tentativas de açoites.
Muito bem vos digo,
daquele Verbo que você profere.
Nada do que diz mais me fere.
Eu agora faço o dito.
E repito em tom maldito:
JÁ MORRI, DESGRAÇA AMBULANTE!
RETORNEI INCONSTANTE!
Deu pra perceber agora?
Voltei mais nefasta que outrora.
Onde antes, via uma luz de credulidade;
Hoje, não dou trela a nenhuma fatalidade.
Vivo de ódio, da vontade de vingança.
Vivo do que você acha mera redundância.
Não perdi minha delicadeza.
Mas só a entrego em destreza,
à quem me vem de bom grado;
Assine o tratado!
Não conto mais com as historinhas de criança.
Desconfio de tudo e sinto sua discrepância.
Se atratar comigo, veja de não errar no ponto.
Meu sorriso é caro e não faço desconto.
Sou tudo que quiser,
mas esteja atento ao que me fizer...
Não penso duas vezes em te dar o que merece.
Junte agora as mãos, e comece a sua prece.
Pois o amanhã nunca é tardante.
Se comigo for tratante, depois, não se espante!
É apenas um aviso.
Eu não mais deslizo.
Voltei do inferno, onde aprendi.
Numa oração de indiferença, eu cresci.
Amadureci...
Endureci...
Enegreci...
Não quero redenção.
Não espero a luz da ação.
Do contrário, ou não ligo, mas penso e guardo.
Espero-te na encruzilhada, retribuir este fardo.
ESCALPO (Dom Ramon)
Toma; baila que teu muro é o fogo.
Vibra; as estrelas cobram teu rosto. Oculto.
Toma tua liberdade, furibundo, toma que teu muro é o fundo.
Larga, larga que a escuridão recobre os olhos. Daquilo que em tudo é acabado.
Toma, vã ilusão, toma, ínfimo de tudo, toma do cálice - Cale-se - amargo:
Finito é o mundo, finitas são todas as combinações, tudo que poderia ser: É. Plenamente. Plenamente em teus muros, plenamente rebelde, plenamente escravo.
Toma, indígena, come teu coração vontade, avança contra o fogo da pólvora e morte, agarra nos dentes, sangrando na carne; Ele é o mundo/ Você é o mundo.
ESCONJURO (Rosa Cardoso)
me distraio e lá vem teu nome
feito navio errante
ancorando sem pejo
murmura festins bentos
pelo céu da boca
um segundo basta
e já te vejo
os cabelos ramalhando
no meio da sala
a carne posta sobre a mesa
esconjuro teu fantasma nu
fecho as janelas e te beijo
ESTRADA NUBLADA (Rodrigo Domit)
Cada mão estendida
puxava-o para a desgraça
Nestas curvas traiçoeiras
cada luz é uma ameaça
EVA, LILITH E A SERPENTE (Rosa Cardoso)
eva sussurrava entredentes
medos e pecados deslindados
nos vastos
entre tantos devastados
a serpente num canto sibilava
deslizando a língua bífida
na pele branca e ávida
o vento lilith sopra velha alquimia
esquerda eu adivinho
meu sátiro sorria
ÊXODOS (RUY VILLANI)
Na minha eterna terra prometida
O que conheci era a ida
Nunca a chegada.
O meu lugar sempre foi a estrada
E não o destino.
Só assim atino com caminho
Que é sempre caminho
E nunca pousada
Na minha terra prometida
Não haveria virgens vestais
E nem donzelas que tais,
Posto que estas são sonhos.
No meu éden, haverá mulher
Que faça de mim, não o que quer,
Mas o que sabe.
No meu nirvana haverá, eu sei,
Uma realizada vontade
De paz plantada, regada
E colhida.
No meu descanso haverá uma ida
Com destino final
Qual a senda pretendida.
E finda a fase do caminhar
Lar. Por fim, lar.
Onde se pousa e repousa
Até ao inexplicável lugar.
FLORES DE BACO (Celso Mendes)
mostra-me o convexo de tua mente doentia
espreitando o supremo sumo do corte por onde vazam
desejos
códigos de morte
e vida latente aprisionada em masmorras
abdica da faca e dessa pétala venenosa
deixa escorregar esta frase entre teus dentes cerrados
morde estas palavras vis e cuspa teu fel
[adocicado com sangue e vinho
sobre a terra que cavaste
o raso da cova é onde se acomodam as emoções mais baratas
em cima das quais nasceriam flores de Baco
mas a natureza é simples demais para entender
por que as flores se importariam?
HAICAI DE BOTAS (Igor Buys)
Homem de preto.
Homem de azul.
Homem de oliva.
De vermelho, a poça.
Botas.
HORIZONTE (Ruth Cassab Brólio)
A urbe ruge pressa, insanidade.
Desconexa, concreta pólis ergue o burgo em edifício.
Urde a não cidade, a cidadela.
No sem fim, vazia,
a fatia do ser espreita,
tateia, procura, urge.
Dispersa,
espera uma porta do olhar,
e vadia, foge pela janela.
Escapole.
INTOLERÂNCIA (Rodrigo Domit)
A marcha era pela paz
mas o protesto ficou violento
queimaram os pneus
com gente dentro
MANHÃ (Ruth Cassab Brólio)
pro vôo livre de um verso
escolho o céu laranja da aquarela
tons até o amarelo-gema
ovo estrelado
a gema mole vaza onde molho o miolo do pão quente
que você traz da padaria do lado
escolho o aroma
som-cheiro ecoa pelos quantos cantos
enquanto passo o café em coador de pano
escolho a fOrma
xxxxxxxxxxxxxObvia
xxxxxxxxxxxxxxbOla redunda
xxxxxxxxxxxxxxxrOla e pára
no vermelho da linha fina de rodapé da folha do caderno
escolho o fundo da pincelada
branco prato-papel
escolho a janela
ar novo fresco pela fresta
festa pra mil talheres raios ouro horizontais dispostos
no lugar-comum
cotidiano
a mesa da copa
MEDO DE SER FELIZ (Igor Buys)
Vence esse teu medo de ser feliz.
Deixa a natureza nua pensar por ti,
ouve a voz dessa tua pele de leite
e deita a tua cabeça no meu peito.
Não te prendas ao fato d'eu largar.
Se largo, ora: primeiro agarro.
Sê positiva, mulher... Madura.
Quem vai rasgar a tua blusa.
Quem vai bloquear o teu tapa
e beber a palma da tua mão.
Quem vai te deitar na parede.
Quem se não eu vai te fazer
rir e sorrir, bebendo lágrimas.
Só eu vou-me sentar no chão
para auscultar teus esperneios,
decifrando esses olhos de menina.
É sério: só o ficante e o viado
são amigos da mulher: escolhe.
Ninguém assistiu ao formidável
enterro da tua última quimera,
somente a ingratidão, essa pantera.*
Pois se a alguém ainda causa pena
a tua chaga, arranca essa roupinha
que te esconde; mostra esses seios
pontiagudos, essa púbis de louça,
morde e suga o sangue da vida!
Vem, amor, espero-te, há tanto;
vem cortar as minhas costas com
essas unhas, que a chama é breve
e a cinza do esquecimento, eterna!
MEMÓRIA DE MEU CORPO (Solange Mazetto)
bailam vampiros
demônios crescem
na noite sinto-me bela
na treva vejo
o escaravelho
dogma
do perfume abandonado
MINIMALISMO (Rodrigo Domit)
Papelão sobre tela
Jornal sobre calçada
Muito pouco sobre quase nada
A dura arte de sobreviver
PARA NÃO MAIS BEIJAR (Allan Vidigal)
Nem línguas, nem lábios, nem bocas,
mas vermes lentos,
lesmas quentes:
acasalamento
de moluscos sem concha
entre os dentes.
PERSONA (Erika Hirs)
Cansa-me atuar, não que não te queira
(e te quero
língua fome de terra)
mas a cabeça coroou a torre
e vivo no camarim suspenso em que olhos e ouvidos são janelas
e telescópios:
observatório panorâmico
de onde degusto a distância e as pessoas como estrelas do nunca,
constelações inofensivas e comodamente zodiacais.
Sei que corto a carne quando rasgo teu figurino
e meu faro inato e equivocado para o não-inato te perfura
quando confundo com maquiagem o pálido da tua derme.
É que não gosto de você porque você não é todo meu,
e te exijo real sob os meandros da carne:
não terra mas fogo e magma,
entranha profunda da pele.
... despir-te de teus escombros, que te vestem como máscaras;
expôr-te, trazer-te nu a ti mesmo e contar:
é isso que eu amo,
teu cerne.
ROMANESCO (Rosa Cardoso)
ontem tua imagem me distraiu
assombrava os porta-retratos
fotografias de beijos perdidos
não era a boca
nem teu beijo
não me lembro do gosto
nem da cor que têm
era a idéia do sorriso
bendito sorriso
vagando pelo meu quarto
quicando pelos cantos
feito ídolo errante ou errado
não sei bem
comprei fita
colei os cacos
dias e dias
prendi tua alma
preguei na parede
pra te esquecer
vejo o beijo guardado
minha boca se esgarça
vejo a foto e te destruo
a foto desfolha graça
e eu rio
distraidamente
destroço teu sorriso
suavemente aceito tua proposta
e desfaço teu retrato
iconoclasta e romanesco
SINCERIDADE (Cesar Veneziani)
- Amor, fiquei tão feliz com a flor que você me deu que fiz esse poema. Dá uma lida!
Com cara de incomodado pela presença do amigo na cena, ele começa a ler:
"Me deste uma flor.
Foi prova de amor!
E o meu coração,
Por pura emoção,
Está a cantar:
Que bom que é te amar!"
- Então, o que achou, amor? - Pergunta ansiosa.
- Bem, ao menos parece que você melhorou na métrica e no ritmo... - Disse ele tentando ser brando.
- Tá, e o que mais?
- Não misturou segunda com terceira pessoa...
- Tá, só isso?
- Só.
- Como só? Não tá lindo? É a pura expressão dos meus mais sinceros e profundos sentimentos...
- Bem, pela expressão dos seus mais sinceros e profundos sentimentos eu, como seu namorado, fico muito feliz, mas pelo poema o que tenho a dizer é: tá muito ruim, com rimas paupérrimas e com jeito de desabafo de adolescente!
- Seu insensível! - Gritou e, em atitude agressiva, tomou a folha com o poema da mão do amado e se foi a passo firme.
- Cara, precisava ser tão sincero assim? - Disse-lhe o amigo.
- Se ela não fosse tão gostosa, já teria lhe dado um pé na bunda faz tempo. É que ela pensa que é poeta. Haja saco!!!
SOBREVIVENDO (Rodrigo Domit)
Sempre buscou subir na vida
dos outros
Para ver se melhorava a própria
TARAS (Allan Vidigal)
Inventa-me, amor, uma tara sem par.
Desvenda o universo das parafilias.
Revira papiros, grimórios, estelas,
revela nos ritos e antigos mistérios
fetiches quaisquer que a nós dois enfeiticem
(o amor, meu amor, quase a tudo resiste,
mas não à armadilha fatal da mesmice).
TEMPESTADE (Rodrigo Domit)
A janela bate
com força
e a porta geme
contida
Não há mais clima
VERSOS INÚTEIS (Ruy Villani)
Inegáveis meus versos profundos
Os imundos, guardo para mim
Os sem fim e os prolixos
Deixo a se esvaírem
Como histórias sem fim.
Reprováveis meus versos tantos
Meus cantos de harmonias idas
Já não mais blues, já não tão simples
E tão inúteis como as tais.
Descartáveis meus versos novos
Pois que são probos e inocentes
Incineráveis são as palavras quentes
E crentes de serem ouvidas.
Imoláveis as sugestões
De vida que há nesses versos
Pois que sempre serão dispersos
E jamais serão canções.
ZÉFIRO (Davino Ribeiro de Sena)
Não guardo rancor à brisa
por me haver traído
e aceito - como se ainda
vivesses - o dever de respirar.
Mas não me conformo de haver
a ti sobrevivido. De respirar
a vida, o ar que não respiras.
De saber teus os meus pulmões.
Lamento que teu conselho
tenha morrido no quintal
entre o discurso de amigo
e o suspiro paternal.
ZINCO (Davino Ribeiro de Sena)
O raio desceu o braço
mas não disse nada.
As nuvens se aglomeravam
na entrada do teatro.
Sob o zinco, a esposa
esperava uma resposta.
Mas o céu era implacável
com trovões monossilábicos.
Nem uma gota de água
mereceu cair nas telhas.
Apesar do calor, o homem
não quis voltar para casa.
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5 comentários:
Cada vez melhor! Parabéns aos organizadores e a todos os autores.
Maravilha!!
Que bacana Dani Maiolo aqui, adorei!
Flores de baco do Celso, nem se fala, já comentei no Bar, execelente.
Excelente o Haicai de Botas de Igot Buys, foi o que mais me inquietou.
Intolerância do Domit também, muito bom.
Para não mais beijar de Allan: indiscritível a cena de beijo que imaginei.
Deu o acaso de eu ter gostado mais dos curtinhos dessa vez, mas todos poemas são de um nível altíssimo, parabéns!
Muito bom! Bravo!!!
maravilha!
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